segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Domingo de sol e despedida

Domingo meu avô tava bonito; as mãos segurando um terço, vestindo um terno cinza e um paletó marrom por cima -de madeira.
Minha mãe estava no hospital com ele quando ele saiu daquele corpo velho e moribundo e foi pra outro lugar.
O cemitério parecia almoço de domingo. Minha avó com os irmãos, cunhados, filhos, genros, netos e sobrinhos-netos reunidos. Além de muitas outras pessoas que eu nunca vi na vida.
Ouvia-se alguns narizes sendo assoados, o murmúrio de conversas, e do lado de fora as risadas de uma piada contada aqui, outra contada ali.
Todos muito serenos, mas o choro apareceu quando, no abraço da minha avó, ela falou "E o vô foi embora...", mas em frente ao túmulo, o sorriso surgiu quando ela disse "É melhor ir embora antes que ele venha atrás!".
Minha avó em seu vestidinho de domingo, com um lenço azul na mão e sem brincos -em sinal de luto- recebeu filhas, genro e netos em casa pra um lanche da tarde, e ainda teve a presença de espírito de brincar: "Olha, só o vô não veio!".

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Do dia em que meu avô recebeu o diagnóstico de câncer no esôfago até sua morte, se passaram sete semanas. Ele sofreu muito em seus últimos dias de vida, e eu acho isso muito cruel. Nada podia curar a doença do meu avô, e mesmo assim, não deixavam que ele partisse. Enfiaram um tubo pelo seu nariz para alimentá-lo com líquidos. Quando o câncer atingiu o duodeno e os líquidos não passavam do estômago para o intestino, ele passou a receber soro. Quando um pulmão se comprometeu, passou a receber oxigênio. Quando a dor era muita, morfina. Então veio a sedação, pra que quando chegasse a hora, ele estivesse dormindo. Se ele morasse num sítio no meio do mato, longe de qualquer hospital, sua morte teria sido muito mais rápida; aqui, seu sofrimento -e de todos ao redor- só foi prolongado. A medicina é uma coisa esquisita.

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Durante o velório recebi abraços apertados -e isso foi gostoso- mas eu não precisava ser consolada como as pessoas achavam que eu precisasse. Meu avô foi um cara machista e rabugento a vida toda, e nas últimas semanas eu ouvi umas histórias sobre ele que eu não conhecia e fiquei com raiva dele. Mas lá no cemitério, não tinha nenhum sentimento ruim. Também não tinha tristeza por ele. Vou deixar de lado as histórias que ouvi sobre amantes e filhos bastardos e guardar as lembranças boas.
Mas a verdade é que agora minha avó vai poder rever e receber em casa pra um café ou pra uma partidinha de buraco duas pessoas de quem ela gosta e que gostam muito dela: a ex-mulher do meu tio, e o meu pai. Meu avô nunca aceitou muito bem que dois de seus três filhos se divorciassem, e nunca mais quis ver de novo a ex-nora e o ex-genro. Minha avó, que sentia falta dos dois, agora pode vê-los quando quiser. Lero lero.

E porque a vida é assim, vamo em frente que atrás vem gente!

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